Os 13 Porquês e porquê não é pra todo mundo


Tentando fugir de spoilers (aparentemente é muito difícil não comentar nas redes sociais cada cena que assiste, colocar avisos ou reconhecer o que pode ser considerado spoiler) e levando em conta que parecia que a história iria se fechar em uma temporada, maratonei Os 13 Porquês.

Ainda não decidi se a série tem mais pontos positivos ou negativos, mas, a cada minuto dedicado a produção desse post, encontrava algo que poderia ter sido feito de forma diferente ou, simplesmente, não ter sido feito na obra. Dessa forma, esse post tem apenas o que deu errado na adaptação do livro escrito por Jay Asher (sem spoilers, é claro).

Uma caixa de sapatos é enviada para Clay por Hannah, sua amiga e paixão da escola que acabara de cometer suicídio. Dentro da caixa, há várias fitas cassete, onde a jovem lista os 13 motivos que a levaram a interromper sua vida - além de instruções para elas serem passadas entre os demais envolvidos.
TRIGGER WARNING: bullying, negligência parental, assédio sexual, perseguição, estupro, abuso de substâncias, suicídio.
A começar, considero irresponsabilidade não ter um aviso no primeiríssimo episódio em relação ao que o conteúdo da série pode desencadear. Um alerta surge vários episódios depois em razão de “cenas fortes”, deixando claro que as pessoas envolvidas com a produção da obra não aprenderam muita coisa sobre transtornos mentais.


Não é necessário uma cena explícita de estupro, suicídio ou espancamento para causar desconforto em pessoas que não estão em seus melhores dias. No início do episódio 7, Hannah descreve sua “solidão” (que, na verdade, é desesperança) de forma tão clara e precisa que senti um ataque de pânico chegando e fui obrigada a parar de ver por alguns minutos.

Para alguns, essa cena poderia ser mais uma na qual os personagens de produções americanas têm falas poéticas. Para outros, é exatamente o que eles sentem ou sentiram em algum momento. Ninguém quer ter feridas remexidas enquanto assiste uma série aparentemente inofensiva (já que não tem aviso).


A escolha de atores “padrão” para estrelar uma série que fala sobre bullying e exclusão me fez rolar os olhos. Os estereótipos também estão lá: atletas idiotas, outcast insano, latino pseudo-criminoso com muitos irmãos, líder de torcida que troca amizade por um rapaz, etc. Há gays e lésbicas, mas só as garotas se beijam, pois mulheres juntas em contexto sexual é sexy. *rolleyes*

Outro erro muito grande em teen shows é o emburrecimento dos adultos. Em 13 Reasons Why não é diferente. Hannah chega a escrever poemas que mostram o que está sentindo e os adultos não fazem nada. Como alguém que passou 1h conversando com o psicólogo da escola por ter escrito algo pesado em uma prova, I can’t relate com tamanha negligência.


Não vou dizer que adultos sempre têm a resposta para tudo porque não seria verdade, nem que o corpo docente sempre age da melhor forma, mas é irresponsabilidade fazer parecer que buscar ajuda (conscientemente ou não) vai ser a mesma coisa que tentar atravessar uma parede. A mensagem subentendida é que “nem vale a pena tentar”.

Além disso, logo nos primeiros episódios, me perguntei por que mostraram o suicídio daquela forma. Parece que não levaram em consideração que não eram apenas “porquês” que assistiriam 13 Reasons Why, mas “Hannahs” também. Essas Hannahs encontram na série um suicídio romantizado, onde a suicida finalmente é ouvida e faz todos se sentirem culpados pelo que aconteceu a ela.


Os 13 Porquês não mostra outras opções para Hannah, não conscientiza, não apresenta as diversas formas de pedir ajuda, não fala sobre a possível doença da personagem. A série traz uma garota que finalmente conseguiu “se livrar da dor” e, de quebra, fazer outros se sentirem mal com sua morte. E não é isso que todos queremos? Sermos notados e validados? Não consigo não ver como uma forma de incentivo.

A obra peca em não enfatizar que Hannah está morta e que isso é ruim principalmente para ela, porque foi ela quem morreu. Acabou. The End. Créditos subindo. O mal venceu. Faz parecer que as fitas são um legado e que de alguma forma ela está viva. Mas não está. Ela sofreu a ponto de ir contra qualquer instinto de sobrevivência e cortou os pulsos. E isso é péssimo.


O sofrimento de quem a fez sofrer não importa (ou não devia importar), porque eles estão vivos e, em algum momento, podem voltar a sua vida normal. Mas Hannah está morta e não há ninguém que possa mudar esse quadro... Porém em 13 Reasons Why a ideia das fitas parece “legal demais, e o fato de que alguém sangrou até morrer para que elas fossem difundidas fica apagado.

Falando em fitas, o conteúdo das mesmas ser apenas a visão de Hannah também não é amplamente explorado. As palavras da garota são dadas como verdade absoluta – ainda que tenha sido mostrado que algumas coisas não condiziam com a realidade. Isso é de extrema importância quando estamos falando de alguém com qualquer doença psicológica e/ou em estado de emergência.


Por fim, temos o desnecessário tutorial de como se matar. Ignorando todo o poder da mídia e os motivos pelo qual não se deve fazer estardalhaço quando o assunto é suicídio. A série chega ao ponto de mostrar a forma “certa” de se cortar para morrer... Acho que não tem palavras para descrever a apelação.

Desde o início sabemos que Hannah se matou. Uma corda no pescoço, uma bala na cabeça, remédios... O que importa? A cena não acrescenta nada a história. Se depois de vários episódios voltados para o bullying e tendências suicidas, ainda foi necessário fazer uso de tal artifício para chocar, não se trata de um trabalho tão bem feito.


Finalizando, digo que entendo o alarde, afinal não é sempre que uma série aborda o suicídio adolescente (ou suicídio em geral). No entanto, não é para todos, e a forma como muitos dos fãs tratam como se fosse só mostra que não entenderam nada do que dizem que a série quer passar.

As pessoas não são iguais. Logo, sentem as coisas de forma diferente. O que abriu seus olhos” pode ser um gatilho para outros. Então não force a obra goela abaixo de quem se sente desconfortável com ela e, se possível, não compartilhe as “cenas fortes” em redes sociais - como tem acontecido. Tenha empatia com aqueles que são sensíveis a coisas que você não é.



Espero que não pensem que detestei Os 13 Porquês, porque não é verdade. Entretanto, foi impossível ignorar os erros enquanto tentava escrever uma resenha. O resultado foi esse texto enorme com o que me incomodou, haha. Se outro post sobre a série realmente sair, será focado nos aspectos positivos (e, possivelmente, com spoilers).

Para fechar o post de vez, quero apresentar a vocês o Centro de Valorização da Vida (CVV) que, de forma voluntária e gratuita, oferece apoio emocional e prevenção do suicídio. Além de atender por e-mail, Skype e chat no site, é possível alcançá-los através do número 141.


Vocês já assistiram a série? Gostaram? Se não assistiram, pretendem fazê-lo um dia?

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